domingo, 15 de janeiro de 2017

Brecha

Minha filha Marina e eu estávamos trancados há semanas naquele cômodo escuro e fedido. O único rebento de luz entrava através de um pequeno buraco (uma brecha) na porta de ferro. Era pela mesma brecha que, uma vez por dia, os sequestradores nos entregavam comida. Os pratos sempre vinham fartos e acompanhados por deliciosas porções de batatas fritas. Eram divinas as batatas. Nunca havia comido algo tão bom. De verdade. Não era ilusão ou fome de cárcere. Eram mesmo deliciosas as batatas. A vida é mesmo difícil de entender. Em momentos de veemente dificuldade, ela nos concede prazeres enérgicos.

Uma manhã, após muitas porções de batatas fritas, Marina, cujo sono cabia em meus braços, levantou espantada e me perguntou que luz era aquela que enchia o cômodo pouco arejado. Ainda sonolento, fraco, respondi: “É só a luz do Sol, Marina. É só a luz do Sol”.

Foi então que me dei conta que uma janela, não muito alta, presente em uma das quatro paredes do cômodo, estava aberta. Ancorei Marina nos ombros e fugi. Me senti um vencedor por salvar minha filha daquela situação. Danem-se as batatas, danem-se as batatas, eu pensei.

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